O tecnófobo anti-web

A análise é convertida em polêmica quando entra em cena o pensamento de Dominique Wolton, em “Internet e depois” (WOLTON, Dominque -Sulina 2007) e num segundo momento quando o objeto de análise é “É preciso Salvar a Comunicação” (WOLTON, Dominque - Paulus 2006). O objeto de análise do pensador francês está sempre vinculado às questões sociais da comunicação, suas variáveis sociológicas e as implicações tecnológicas. Tomemos como ponto de partida para o diagnóstico, concebido por Wolton, a partir de “Internet e Depois”.
“A comunicação é o cerne de modernidade, isto é, inseparável deste lento movimento de emancipação do indivíduo...” (WOLTON – Sulina 2007, p 10) primeiro aspecto: ele pontua que sua pesquisa visa diferenciar objetivamente as chamadas mídias generalistas ou tradicionais (a TV e o rádio) das novas tecnologias, notadamente, a convergência tecnológica, a qual culminou com o surgimento da web. Para Wolton, sua pesquisa está calcada em uma Teoria da Comunicação em que os aspectos sociais devem necessariamente sobrepujar aqueles que apregoam o advento das novas tecnologias como a tábua de salvação das mazelas sociais.
Nesse sentido, Wolton considera inoportuna e equivocada a corrente de pensamento que coloca web como elemento-chave dos avanços culturais. Cibercultura, para Wolton, é pira boabagem. Pierre Levy, um ingênuo
Wolton defende a tese em torno do “estatuto da comunicação”. A primeira provocação é a seguinte: se a comunicação é um tema antigo da humanidade, à luz do progresso tecnológico, a explosão das técnicas modificou a natureza desse estatuto.
O avanço tecnológico e sua capacidade de transformar as regras da comunicação inquieta ainda mais Wolton. Então ele relaciona uma série de questionamentos: a revolução tecnológica é capaz de revolucionar o conteúdo da informação e da comunicação da mesma forma como ocorreu na invenção dos tipos móveis e da imprensa? (WOLTON - 2007).
Se o estatuto da comunicação como aponta Wolton é a maneira como os homens se comunicam e se a comunicação se entrelaça, com os demais processos de desenvolvimento, ele repele ou tenta desencorajar a tese de que a mola propulsora do processo social seja a tecnologia. Qualifica de ‘tecnicistas’ aqueles que comungam dessa visão e duvida da poder e potência das tecnologias para produzir alterações nesse processo contínuo, o qual demarca o surgimento da modernidade. Outra provocação; a internet é superior a televisão? (WOLTON - 2007).
Aliás, esse é o objeto principal diagnosticado em “Internet e Depois”. A internet é uma mídia de massa? Wolton responde que não. Esse é o campo do rádio e da TV, das denominadas mídias generalistas. A convergência tecnológica permite que o computador, faça às vezes do jornal, da TV, do rádio, da biblioteca. Substitui o telefone. Porém cria um paradoxo ao transformar receptor em portador da mensagem, no debulhador da informação que será agora cessada na troca de endereços de URL, de FTP e protocolo IP. A troca de papéis entre codificador e decodificador parece igualmente produzir inquietação. A formatação desse debate incomoda Wolton.
Ele adverte que existe uma opinião do conhecimento controlada por três segmentos: os empreendedores, os jornalistas e os políticos. Com isso, surge um desafio teórico no sentido desmanchar o monopólio desse processo, pois nenhum desses campos está interessado em conduzir uma reflexão sobre a comunicação a partir de uma lógica do conhecimento (WOLTON-2007, p.13).
Como inexiste espaço para os demais atores sociais, Wolton provoca em tom de apelo para que não tentem fazer os pesquisadores sociais pensarem a partir da lógica dos empresários. Esse é um ponto fundamental. Para Wolton, a academia deve promover o debate de maneira independente. “Em todo caso que não se peça para um pesquisador pensar como um empresário, político ou jornalista” (WOLTON - 2007).
Wolton não teme ser qualificado como integrante da vertente de tecnofóbica ao reconhecer que no atual momento do debate acadêmico provavelmente esteja reunido numa corrente minoritária. Aquela que afirma que a tecnologia não é o elemento essencial da comunicação. O alicerce da comunicação em Wolton são as características culturais e os aspectos sociais. A tecnologia, sobretudo a de última geração, é coadjuvante do conhecimento.
Com efeito, ele atribui os três objetivos principais contidos em “Internet e Depois”: Contribuir para uma revalorização da Teoria da Comunicação; defender a televisão como mídia essencial na preservação da democracia; acionar o alarme para a Europa, “Berço da teoria da comunicação” e para ele no momento, atravessando uma crise de identidade, o qual conduz o Velho Continente para a trilha do modelo comunicacional, produzido pela indústria tecnológica e cultural montada nos Estados Unidos. Wolton defende a regulamentação da informação e da comunicação (WOLTON - 2007).
Afirma não ser possível construir um espaço democrático para a comunicação de massa por meio de uma desregulamentação completa do sistema. Na sua visão, a comunicação sem intermediários transforma-se no combustível de conflitos no futuro. A Europa será assimilada pelos Estados Unidos, se não houver uma ruptura com relação ao rumo agora dotado. “Não há dúvida de que, amanhã, a comunicação ‘mundializada’ será fator de conflitos, como o foram as matérias-primas, as colônias e o petróleo, desde cento e cinqüenta anos atrás”. (WOLTON-2007, p. 20).
Diante do exposto o estatuto da comunicação pressupõe uma ruptura com a idéia de desregulamentação e impõe a contrapartida de uma regulamentação contra “a tirania das novas tecnologias”. Em outras palavras Wolton, critica aqueles que desprezam a importância da comunicação a partir de argumentos tecnológicos.
Ele pontua: “Até agora, aliás, a grande maioria das teorias políticas, inclusive as mais democráticas tem notavelmente ignorado a problemática da comunicação. Todos esse debate não pode ser visto como um ataque à liberdade, mas como proteção da mesma”. (WOLTON-2007, p. 22).
Ao passo que “Internet e Depois” conduz o leitor a um debate teórico, com o qual o autor produz uma demarcação histórica no “coração da modernidade”. Todos os eventos tecnológicos neste aspecto notadamente causam impacto. Se a internet produz o frisson da segunda metade do século XX até os primeiros anos da linha centenária que começa, rupturas importantes foram verificadas por ocasião do aparecimento do telefone, do rádio e da televisão.
Não foi diferente nos séculos anteriores com o aparecimento da imprensa e da consolidação dos jornais como o primeiro mass media da era moderna. A especificidade das tecnologias do século XX, contudo está relacionada com sua capacidade tecnológica de transmitir som e imagem por meio físico ou ocupando ou por ondas magnéticas, as quais viajam em espaço e alteram nossa percepção do tempo. A difusão dos meios de comunicação de massa, nesse sentido, se combina claramente com a confirmação do sufrágio universal como recurso político capaz de consolidar o estado democrático de direito. (WOLTON-2007 p, 31).
Internet e Depois proclama um paradoxo estrutural para comunicação. Ainda que tenha funcionado como mola propulsora de avanços, sua importância não conquistou a legitimidade alcançada por outras ciências humanas e proclama que pó conta dos defensores da web as mídias de massa são o alvo fácil de seus detratores e de toda a forma de manipulação. Ao passo que atravessamos um período histórico dominado pela “má comunicação”. (WOLTON-2007, p. 38). De tal maneira que ergueu-se no tecido social uma resistência coletiva em reconhecer o lugar, a importância e a emergência da teoria da comunicação, pontuada por Wolton em dez razões.
1) o mito da onipotência e da manipulação, o qual atingiu a imprensa do século XIX; 2) A dificuldade de análise em que o ponto de partida é complexidade intrínseca de se compreender a fenomenologia entre emissor, mensagem e receptor, já que a cada nova técnica surge um discurso novo para demarcar esse entrelaçamento entre os três elementos básicos da comunicação; 3) não existe uma vontade coletiva de entender essas mutações; 4) há uma idéia de onipresença da tecnologia; 5) É perceptível a resistência intelectual com relação ao surgimento das mídias generalistas, notadamente o rádio e a televisão, as quais provocaram o avanço da cultura de massa; 6) dificuldade teórica de agregar as questões de natureza psicológica, filosófica e literária, associadas comunicação clássica e os efeitos provocado nessas, pelas novas tecnologias; 7) Dificuldade de entender a impossibilidade de produção de um processo comunicacional neutro; 8) demanda fraca por conhecimento por parte do tecido social; 9) a amplitude da união das elites, dos políticos e dos jornalistas em torno das novas tecnologias; 10) A mais forte das resistências fica por conta do público, capaz de formar sua opinião e de manter sua característica de fidelidade ao processo social proporcionado pela televisão e passando por cima da análise produzida no campo das elites. (WOLTON-2007, p. 51, 52, 53).
Entusiasmado com os efeitos que a televisão pode proporcionar como sistema de comunicação de massa, finalmente Wolton lança mão de três exemplos em que a telinha opera como sistema de aglutinação, de pacificação popular e de reafirmação de democracia. Cita o papel da TV pública na África do Sul, durante a retransmissão das reuniões de trabalho da comissão “verdade e conciliação”, a qual foi responsável pela pacificação popular pós-Apartheid.
Ele atribui à Rede Globo no Brasil, papel fundamental como instituição direta de democracia por seu poder de penetração. Elogia a influência das transmissões da TV italiana, as quais mobilizaram a população daquele país, por ocasião da operação mãos limpas, em que promotores de justiça numa operação de investigação sem precedentes conseguiram interligar a relação promíscua entre o estado italiano, o poder econômico e o crime organizado. (WOLTON-2007, p. 64).
Finalmente, ao concluir “Internet e Depois” Wolton pontua que seu objetivo com esse trabalho é diminuir a pressão exercida pelas novas tecnologias sobre a comunicação. Para tanto, define exatamente o que seja comunicação no âmbito de seu entendimento pessoal com base em seu pensamento teórico: a comunicação como ideal de expressão da sociedade ocidental é o conjunto de mídias de massa; é também o conjunto de novas tecnologias; pressupõe a existência de indivíduos livres e iguais. Finalmente, a comunicação compreende o conjunto de valores, os símbolos e as representações que organizam o espaço público. (WOLTON-2007, p. 206).
Em “É preciso salvar a comunicação”de forma resumida podemos reencontrar a vertente crítica de Wolton. Como transformar a comunicação numa ferramenta de reafirmação democrática e de ocupação igualitária do espaço público. Essa é sua primeira preocupação. Primeiro ponto: a aldeia global de Marshall McLuhan é uma realidade na dimensão sociológica de Wolton. Diante de tal afirmação, compreender a comunicação como elemento estrutural dessa atomização das relações humanas é capital. É elementar acionar os mecanismos de reafirmação democrática como variável a qual deverá conduzir o processo de reconciliação da vertente econômica e técnica da comunicação com a sua amplitude social. "Salvar a comunicação é antes de tudo preservar sua dimensão humanista". (WOLTON, Paulus-2006, p 10).
Na aldeia global a circulação crescente da informação requer a manutenção das identidades para que os cidadãos assegurem a preservação da geografia intelectual e cultural. Pensar a sociedade aberta é não apenas reconhecer a incomunicação e repensar a coabitação cultural, mas também reconhecer a necessidade de referências. Portanto significa sair do fluxo, organizar, aceitar a existência de uma incomunicação pode ser entendido como um sistema dialético no sentido de organizar e salvar a comunicação (WOLTON, Paulus-2006, p 10).
Em resumo engendra-se um ciclo de incomunicação-coabitação que não anulam a comunicação. (WOLTON, Paulus-2006, p 147). Com efeito tais contradições se manifestam numa revanche da geografia. Lembremos a guerra da antiga Iugoslávia no coração da Europa, o infindável conflito entre Índia e Paquistão, ou conflitos tribais nos grandes lagos da África ou na Costa do Marfim.
Na ótica de Wolton a teoria da comunicação, é a relação entre informação e comunicação. Seu papel na construção do processo democrático é imprescindível. Salvar a comunicação é entender o alcance limitado das ideologias calcadas apenas na razão tecnológica, que em sua opinião tem uma conotação vulgar.

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