De João do Rio a João Luiz Fernandes

Segundo os estudiosos da evolução da atividade jornalística no Brasil o carioca João do Rio (também assinava Paulo Barreto), introduziu o gênero reportagem na imprensa do país. Cronista, escritor de peças de teatro, homossexual assumido, trabalhava em redações numa época em que o jornalismo, principalmente na abordagem de temas vinculados à criminalidade e aos desvios de comportamento era produzido num limiar muito tênue entre a crônica e a conversa de Matilde.

Em busca de companhia e aventuras amorosas João do Rio desbravou os morros da Cidade Maravilhosa numa época em que freqüentar favelas não era atividade de alto risco, mas já produzia fatos capazes de gerar notícia livre de subjetividades e observações moralistas. Da crônica João do Rio migrou para o relato dos fatos de forma objetiva a partir de acontecimentos com os quais conviveu como testemunha ocular.

Uma briga de vizinhos, uma roda de samba e baseado, um homicídio passional, uma bebedeira convertida em barraco, passaram a ser reportados ao invés de avaliados. Como decorrência do notável talento para produzir notícias João do Rio cobriu por exemplo a assinatura do Tratado de Versalhes, o qual formalizou o fim da primeira guerra mundial em 1919. Neste caso estava a serviço da imprensa de Portugal, onde também trabalhou como repórter.

Pois bem, depois de João do Rio o país desenvolveu a reportagem. As redações dos grandes meios de comunicação passaram contar com profissionais de alto nível para relatarem o cotidiano do povo brasileiro, mas fico a me perguntar: como o desbravador da reportagem contaria o trágico fim de João Luiz Fernandes, seis anos, arrastado pelo lado de fora do carro por sete quilômetros? Aqui não tem reportagem, vamos ao juízo de valores e à subjetividade: no alvorecer de sua existência João Luiz foi mais uma vida cruelmente ceifada pela imbecilidade orquestrada por um grupo de delinqüentes juvenis à solta por obra da mais absoluta incompetência do poder público para atacar de frente as mazelas do Brasil.

Os dias passam, as tragédias se acumulam no inconsciente coletivo do país e me parece que estão faltando às reportagens, os levantamentos estatísticos acerca da criminalidade não só no Rio de Janeiro, mas no país como um todo: quantos furtos de veículos e às residências? assaltos à mão armada, latrocínios, homicídios, roubos a bancos e a carros fortes, estupros, violência contra crianças, pedofilia, desvios de dinheiro da Previdência Social, crimes do colarinho branco, tráfico de drogas e de influência, lavagem de dinheiro país adentro.

Li ontem que até 2050 o Brasil será um país com estatísticas econômicas do primeiro mundo. Não vejo assim. O que enxergo é a realidade quotidiana atual. Vivemos numa espécie de Iraque em que a guerra urbana se move por razões sociais em lugar das questões políticas e religiosas. Por enquanto o primeiro mundo é tangível somente para quem puder pagar o bilhete aéreo e bancar o passeio em moeda forte. O resto é história para boi dormir e a Cidade Maravilhosa é para inglês ver em carros blindados ou protegidos por coletes à prova de bala.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Nanotecnologia

Forasteiro

Praça Roosevelt